Texto que eu escrevi no primeiro período do meu curso, nas saudosas aulas de português...
E não é que Dona Amélia, aquela senhorinha no alto de seus 83 anos, corinthiana roxa e motociclista inveterada, depois de muito procurar, resolveu pedir ao seu neto, internauta assíduo, que lhe ajudasse a conseguir um namorado na internet.
- Mas vovó - dizia Bruno, seu neto de doze anos – descolar homem pela internet... Isso é coisa pra Renata! Não vai ficar bem pra mim né... Ainda se fosse uma namorada pro vovô a coisa ficaria mais fácil... Ah vó, pede pra Renata, vai!
- Não me fale naquele traste do seu avô, Bruninho, desde que aquele velho saiu dessa casa que o nome dele é proibido aqui. A Renatinha é outra que me decepcionou... Sua irmã teve tanto estudo, tanto curso... Achei que ela ia ser médica, ou professora... Mas não, a menina escolheu ser secretária na funerária local. Pra completar ainda fica de namorico com o coveiro. Tenha dó de mim, de cemitério eu quero é distância. E larga de moleza e manda ver nesse computador que eu to sentindo que hoje eu tiro o pé da lama. É hoje que eu desencalho. Além disso, ninguém precisa saber que é você que está digitando aí!!!
- Está bem vó! – suspirou o garoto interrompendo o longo discurso da anciã – Já me convenceu. Vamos logo com isso então que eu marquei um jogo com a galera daqui a pouco aqui no computador.
Sem opção, Bruno começa a longa jornada virtual em busca de um namorado para sua avó. Procura em um site... nada! Procura em outro... nada! De repente a avó solta aquele grito:
-É esse aí!!!
O garoto, estupefato com a escolha da avó, questionou:
- Vó, esse aí tem no máximo vinte anos. Quase a idade da Renata!
-Não quero nem saber menino. A vó gostou desse aí... Olha que rostinho fofo. Olha a moto dele... Olha a camisa do Corinthians... Meus Deus do céu, to até com calor! Marca o encontro aí que eu já vou ligar a moto...
Inconformado com a escolha da avó, mas sem argumentos para convencê-la do contrário, o menino marcou o tão aguardado encontro.
Dona Amélia, que aliás odiava o prenome Dona e preferia ser chamada de Mélinha, vestiu sua camiseta roxa do seu time do coração, ajeitou seu capacete amarelo e sumiu de vista em sua Harley-Davidson recém adquirida.
Chegando ao local do encontro, escolheu o lugar com a melhor vista da porta de entrada, pois não queria perder nenhum detalhe da entrada triunfal do gatinho que ela vira na tela do computador. Mas a espera foi longa...
Já incomodada com o atraso, uns dez minutos no máximo, a moderna vovó sacou de seu MP3 de última geração e colocou sucesso do momento. Pelo menos do momento dela, já que a música era “O calhambeque” do Roberto Carlos. Por falta do aparelho de surdez que ela insistia em não usar o volume de seu fone beirou ao máximo, deixando incomodados os frequentadores do recinto, dentre eles, um senhor trajando bermuda estampada e camiseta regata florida.
Num ímpeto de bravura e abandonando toda a timidez que lhe era pertinente, Rubens, um surfista aposentado e torcedor do Flamengo levantou-se e foi até Dona Amélia:
- Bons tempos esses em que o Robertão cantava Rock and Roll!!!
- Heinnnn??? – responde a senhora não entendendo nada
Ele retirou o fone do ouvido dela e repetiu a frase em um tom de voz acima, quase aos berros:
- Bons tempos esses em que o Roberto Carlos cantava rock.
- Ah, era mesmo. Quase morro ao ver esse menino cantando. – Respondeu-o já colocando o bendito aparelho de surdez.
E o papo continuou:
- A senhora espera por alguém?
- Em primeiro lugar, me chame de você porque senhora passa uma falsa imagem de velhice e eu ainda estou longe disso. Segundo, eu espero alguém sim, mas acho que vou ficar chupando dedo!
- Ora, se não for incômodo, posso lhe fazer companhia...
- Poder até pode, mas veste um casaco e tampa essa camisa cheia de cores... Está me deixando cega!
Seu Rubens tentando agradar seu interesse amoroso, abre sua mochila e saca a camiseta do Flamengo, jogando-a por cima da roupa que usava. Mal colocou e a vovó já deu grito:
- Não! Pelo amor de Deus, camiseta desse time aí não!!!
O idoso flamenguista, sem opção, vestiu a única peça que restava em sua mochila, um casaco de lã que ele carregava para ocasiões eventuais, já que em sua cidade a temperatura sempre beirava os trinta graus.
Depois de muito papo, regado a refrigerante dietético e músicas do Rei, o surfista todo empolgado convidou a motociclista para a praia, pra pegar uma onda, dizia ele. Dona Amélia aceitou, mas iria de moto, pois só em seu veículo ela tinha a sensação de liberdade, com o vento batendo em seu rosto. Agradecido a Deus por Dona Amélia não possuir um capacete reserva, ele a seguiu de táxi.
Já na praia, depois de muito insistir, Seu Rubens conseguiu fazer com que a corinthiana subisse em uma prancha de surf. Pega onda daqui, leva tombo de lá e, de uma hora pra outra, Dona Amélia já estava manejando a prancha tão bem quanto pilotava sua moto.
Apesar do apelo insistente do seu instrutor de surf, Dona Amélia resolveu encarar uma onda tão grande que nem os surfistas mais jovens e mais experientes queriam. Se jogou no mar com um excesso de confiança prejudicial a uma pessoa com tão pouca habilidade.
A onda veio e, como previsto, derrubou a vovó no mar. Ela só saiu bem dessa, porque o salva-vidas estava de olho. A melhor parte da aventura, para ela, foi a respiração boca-a-boca. Mesmo depois de meia hora já acordada, ela fingia não ter se recuperado do acidente.
Já não tendo mais como disfarçar ela abriu os olhos e qual não foi sua surpresa ao descobrir que o salva-vidas era o garoto com quem ela tinha marcado o encontro. Ela esbravejou dizendo que a culpa de tudo aquilo era dele, pois marcara o encontro e não comparecera.
O jovem se assustou, pois estivera na praia trabalhando desde muito cedo e não acessara a internet naquele dia. Dona Amélia, já rubra de raiva, começou a olhar para Seu Rubens e entender toda a história.
Sem pestanejar, ela contou ao salva-vidas que aquele surfista sem vergonha tinha utilizado uma foto para atraí-la até a lanchonete e que, por uma coincidência do destino, o dono da imagem agora lhe segurava em seus braços. O salva-vidas bem que tentou dar uma lição no velhinho, mas ele já havia desaparecido sem deixar rastro. Sorte de Dona Amélia que teve sua vida salva e ainda ganhou uma carona nos braços do garotão até a enfermaria mais próxima...
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